segunda-feira, 13 de outubro de 2014

ASPECTOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS*

Steen Larsen



RESUMO

Simples transferência de informação não é idêntica à elaboração de conhecimento. É preciso compreender esta diferença, caso não se queira reduzir o entendimento do ensino-aprendizagem a uma teoria simplista. Para superar este simplismo, o autor apresenta uma teoria de ensino-aprendizagem que abrange três estágios, baseando-se no fundamento de que informações explícitas devem ser transformadas em conhecimento personalizado por meio de re-estruturação sócio-cognitiva em situações sociais de aprendizagem. O autor conclui que nossas escolas precisam sofrer profundas mudanças, deixando de ser auditórios para ouvintes isolados e passando a ser laboratórios de cooperação ativa.

1. INTRODUÇÃO
O rápido desenvolvimento e amplo uso de novas tecnologias educacionais coloca a necessidade da correspondente elaboração de novas teorias e filosofias de educação. Esta renovação do saber educacional deve ter como um de seus pontos de partida o fato de que as novas tecnologias estão voltadas mais significativamente para o tratamento de informações que as tecnologias anteriores. Por isto, é importante entender o que realmente é e o que não é informação, caso não se queira, com ou sem o uso de novas tecnologias, converter nossas escolas em instituições irrelevantes ou decadentes. Se não tomarmos este cuidado, corremos o risco de formar uma geração de estudantes historicamente mais informada que qualquer outra, mas, apesar disto, com menos conhecimento.
A conclusão do parágrafo anterior parece contraditória. Não é. Há contradição, no caso, apenas para aqueles que pensam que transmitir informações para os alunos é idêntico a proporcionar-lhes conhecimento. Pretendemos aqui discutir esta falsa contradição e apresentar uma teoria para o uso da nova tecnologia da informação no âmbito educacional.

2. TEORIAS SIMPLISTAS E TEORIAS COMPREENSIVAS
Ao examinar o tema educação, percebemos dois tipos de abordagens teóricas de ensino-aprendizagem: uma simplista, outra compreensiva. Freqüentemente, professores pouco experientes empregam analogias pertencentes à categoria que podemos chamar de “teoria da transferência no ensino” (Fox, 1983). Este ponto de vista teórico vê as mentes dos estudantes como recipientes nos quais as informações relevantes (conteúdos) devem ser depositados.
A primeira abordagem teórica é simplista porque não faz qualquer distinção entre informação e conhecimento. Parte  do pressuposto de que transferir informação para os alunos é idêntico a dar-lhes conhecimento. A partir desta perspectiva, as preocupações educacionais acabam se reduzindo a questões do tipo: como elaborar bons materiais didáticos; como desenvolver e aperfeiçoar os métodos de  transmissão; como elaborar material auxiliar a fim de que os professores possam, de modo preciso, levar informações relevantes aos recipientes. Esta teoria simplista da transmissão predomina ainda hoje na concepção de programas de EAC – Ensino Assistido por Computador.
A segunda abordagem teórica (compreensiva) considera que o aluno é também sujeito e não apenas mero objeto no processo de transmissão da informação. Consequentemente, ela propõe que o aluno deve construir seu próprio conhecimento a partir da informação recebida. Não é suficiente, portanto, transmitir informação. O processo de ensino-aprendizagem precisa ser visto de modo mais compreensivo.
Levar em conta a diferença entre conhecimento e informação é o primeiro passo na transição de uma visão simplista para uma teoria mais compreensiva da educação. Pretendo discutir tal diferença no âmbito do processo de comunicação; processo este geralmente associado à idéia de transferência de uma mensagem de uma para outra pessoa. A raiz da palavra comunicação é comum; ou seja, refere-se algo de uso público, a linguagem. O pré-requisito para comunicação dos pensamentos íntimos de uma pessoa é colocá-los numa forma que obedeça regras comuns (compartilhadas) no campo da semântica e da sintaxe. Este processo pelo qual os pensamentos íntimos de alguém são transformados de acordo com fórmulas lingüísticas compartilhadas deve, porém, ocorrer internamente antes que qualquer mensagem possa ser transferida para outros. A comunicação, assim, abrange dois momentos:
1)Conhecimento pessoal e subjetivo que é transformado em fórmulas lingüísticas compartilhadas;
2)mensagem lingüística que é transferida a outros, tornando-se pública.
Conhecimento, portanto, é algo pessoal, pré-conceitual e não lingüístico em sua origem, e que, por meio do processo de comunicação, pode se transformar em informação pública. Na direção inversa, informação pode ser definida como conhecimento pessoal que foi transformado, por meio do processo de comunicação, em algo compartilhável.
Os argumentos até aqui desenvolvidos têm implicações importantes. Primeira: o conhecimento não existe independentemente dos seres humanos por causa de suas dimensões subjetivas e pré-conceituais; em outras palavras, conhecimento é mais do que simples informação, é um conglomerado que inclui também aspectos não lingüísticos como experiência prévia, sentimentos, memórias episódicas, imaginação, expectativas, etc.
A segunda implicação importante é a de que o conhecimento não pode ser transferido diretamente de uma pessoa para outra, sem ser primeiramente transformado em informação. Esta última, por outro lado, pode ser diretamente transferida porque é constituído por elementos bem definidos e explícitos, enquanto que conhecimento, devido a suas características compreensivas e implícitas, pode apenas ser induzido (Larsen, 1986 c).

3. POR UMA TEORIA COMPREENSIVA DA EDUCAÇÃO
A partir da discussão anterior, é possível agora delinear uma teoria educacional compreensiva, abrangendo três estágios.
O primeiro estágio consiste na transformação do conhecimento implícito e pessoal dos professores em informação explícita. Funções tais como a definição de conceitos, escolha da terminologia, divisão da disciplina em tópicos claros e independentes, elaboração de textos, etc., integram este estágio. A transformação de conhecimento implícito e pessoal em informação explícita é o primeiro estágio de qualquer processo educacional. Podemos identificá-lo em situações tais como: para dar sua próxima aula, um professor está planejando seu trabalho; um autor está delineando a concepção de seu próximo livro didático; ou uma equipe de educadores está preparando as especificações de um software educacional.
Quando a transformação a que nos referimos anteriormente chega ao fim, o processo educacional entra no segundo estágio. Basicamente, esta fase consiste na transferência da informação produzida para os alunos. Tal estágio inclui todos os meios de transferência que tão bem conhecemos, ou seja: a fala, o texto, o rádio, a TV, o computador, etc. A questão fundamental, nesta fase, é assegurar que as informações relevantes sejam transmitidas do modo mais efetivo possível aos alunos, sem ruídos perturbadores ou interrupções.
Nos dois primeiros estágios transitamos ainda por um campo parecido com aquele proposto pelas concepções simplistas de educação. Ingressamos na área de uma teoria mais compreensiva do processo educacional apenas quando avançamos para o terceiro estágio. Este último é alcançado no momento em que compreendemos que os alunos são sujeitos e devem desenvolver seu conhecimento pessoal a partir da informação recebida. Neste estágio, os atores são os alunos. Eles deverão, de certa forma, trilhar um caminho inverso ao percorrido pelos professores no primeiro estágio, transformando informação pública em conhecimento pessoal. Neste momento, a informação recebida será “digerida”, perdendo as características de um padrão de elementos bem definidos e parcelados, e sendo gradualmente assimilada e integrada à estrutura de conhecimento já existentes dos alunos.
A meta final da educação é criar especialização. Tal proeza não é resultado apenas de informação e pensamento lógico-formal. Nas situações concretas da vida, verdadeiros especialistas não trabalham exclusivamente de acordo com fatos e regras explícitas. Verdadeiros especialistas ultrapassam a fase da lógica formal e da informação auto-regulatória, trabalhando mais automaticamente, dirigidos pela experiência, intuição e conhecimento pessoal.
Convém, neste momento, lançar mão de uma citação de Minsky (1983) descrevendo a diferença entre pensamento lógico-formal e senso comum:
1. Por que é mais fácil(…) elaborar programas especializados em cálculo e xadrez que programas capazes de resolver problemas infantis ou especialistas na análise de cenas da vida comum? A resposta a esta questão é aparentemente paradoxal. Os procedimentos que tanto admiramos nas áreas de cálculo e xadrez, apesar da dificuldade em descobri-los e aprendê-los, são quase sempre claros e simples numa análise final… Os conhecimentos especializados que se requer para trabalhar uma dada estrutura matemática são uniformes e homogêneos. Por outro lado, analisar como o conhecimento comum se estrutura não é tarefa fácil… Ninguém é capaz sequer de escrever bons axiomas lógico-formais e regras de inferência para qualquer campo substancial de conhecimento do senso comum.
Por quê? Porque o conhecimento pessoal e o senso comum não se baseiam exclusivamente em processos governados por regras bem estabelecidas. Funções lógicas, governadas estritamente por regras, são monótonas, uma vez que dadas certas premissas elas levam sempre a conclusões determinadas e previsíveis. Através da prática, estas formas de pensar, lógicas e matemáticas, são, por assim dizer, gradualmente condensadas, convertendo-se num conhecimento verdadeiramente especializado, automático e intuitivo. A especialização avançada, dadas as suas características de não monotonia, está mais próxima do senso comum que o pensamento lógico-formal. Cabe aqui a citação do testemunho de Daniel Boorstin (1980), diretor da Biblioteca do Congresso Americano:
É um lugar comum de nosso tempo afirmar que esta nação precisa de “cidadãos bem informados”. (…) Eu, pelo contrário, proponho que precisamos – em qualquer país verdadeiramente livre – de “cidadãos que tenham conhecimento”.
Informação, assim como diversão, é artigo de consumo. Esperamos obter de alguém diversão e informação. Não podemos, porém, obter conhecimento! Cada um de nós deve construir um conhecimento pessoal.
Como, porém, a informação recebida é transformada em especialização e conhecimento pessoal no terceiro estágio?
A transformação ocorre quando os alunos estão engajados em atividades de cooperação, interação social, discussão, explicação, recuperação de experiências prévias, solução de problemas do cotidiano. A re-estruturação do conhecimento dos alunos é facilitada pelo aparecimento do que podemos chamar de conflitos cognitivos nestas atividades.

4. CONFLITOS SÓCIO-COGNITIVOS E RE-ESTRUTURAÇÃO DO  CONHECIMENTO
De acordo com Piaget (1950),o desenvolvimento cognitivo está intimamente associado com o engajamento em ações e operações que são, ao mesmo tempo social e individualmente organizadas. Ele afirma que é pelo constante intercâmbio de pensamentos com os outros que nos descentralizamos de nós mesmos, podendo assim coordenar relações internas derivadas de diferentes pontos de vista. Para Piaget, a cooperação é a primeira de uma série de formas de comportamento importantes na constituição e desenvolvimento do pensamento.
Especialistas em teoria da aprendizagem, como Murray (1974) e Bandura (1977), explicam a aquisição de novas habilidades nas crianças como resultado de um processo de imitação, particularmente do processo de imitação dos melhores modelos. Por outro lado, Mungny e Doise (1978), e Weinstein e Bearison (1985) mostram que sujeitos que interagem com parceiros menos avançados alcançam tanto progresso quanto sujeitos que interagem com parceiros mais avançados. Assim, a idéia de que a imitação é um mecanismo fundamental na aprendizagem social parece não se sustentar.
Marian, Desjardins e Breante (1974) observaram que a “interação entre participantes cresce quando o conflito cognitivos é sentido por todos”. Na mesma direção, Daise, Mugny e Perret-Clermant (1975) delinearam um modelo sócio-cognitivo do desenvolvimento infantil, baseando-se na hipótese do “conflito cognitivo experimentado e resolvido socialmente”. Em diversos experimentos, os últimos autores mostraram que as crianças, quando trabalham juntas em díades e têm oportunidade de gerar conflitos sócio-cognitivos, são capazes de resolver problemas de nível mais elevado que as crianças que trabalham isoladamente. Além disto, como mostraram Mugny e Doise (1978), é nas combinações diádicas, onde sujeitos com diferentes níveis de habilidade trabalham em conjunto, que parceiros menos e mais avançados progridem consistentemente.
Parece que a re-estruturação cognitiva é mais forte nos trabalhos grupais que nos individuais, porque a interação social gera diferentes visões de oposição, possibilitando desta forma conflitos cognitivos entre os sujeitos. E, de Acordo com Piaget (1975), “os fatores mais produtivos na aquisição (do conhecimento) são os distúrbios gerados pelo conflito”.
Os mencionados conflitos obrigam as pessoas a coordenarem suas ações. Isto sugere que uma acomodação no encontro com os pontos de vista de outrem pode ser assimilada se a re-estruturação cognitiva ocorrer. De acordo com Clermont (1980), conflitos deste tipo…
… trazem um desequilíbrio que torna necessária a elaboração cognitiva. Desta forma, o conflito cognitivo confere um papel especial ao fator social como um dos elementos mais importantes no crescimento mental. O conflito sócio-cognitivo pode ser figurativamente comparado com a reação catalítica no campo da química; esta última não aparece no produto final, mas sem ela a nova estrutura não ocorre.
A partir da importância da interação social na aprendizagem, pode-se concluir, portanto, que uma criança, quando trabalha sozinha numa certa tarefa, fica presa a uma abordagem egocêntrica se comparada com crianças que trabalham cooperativamente. No último caso, os conflitos sócio-cognitivos, devido aos diferentes pontos de vista, fazem com que a re-estruturação cognitiva seja um necessidade para as pessoas.

5. ENSINO ASSISTIDO POR COMPUTADOR E INTERAÇÃO SOCIAL
Até agora, poucas investigações sistemáticas têm se voltado para a questão da interação social entre estudantes no contexto de trabalho com computadores. Há algumas descrições incidentais sobre a troca de idéias entre estudantes usando programas de gerenciamento de dados (Rubin, 1980; Collins, Bruce e Rubin, 1982; Zacchei, 1982) e programação de computadores em grupo (Jabs, 1981).
Os poucos estudos sistemáticos já efetuados na área, porém, apontam para diferenças notáveis entre o trabalho individual e o grupal com computadores. Reid, Palmer, Whitlock e Jones (1973), por exemplo, observaram que algumas crianças resolveram problemas de modo mais efetivo em grupos que individualmente. Um estudo conduzido por Cheney (1977) mostrou que alunos trabalhando em duplas para aprender programação obtiverem melhores resultados que alunos que trabalharam isoladamente. Na mesma direção, Klaus e Grau (1976), num estudo com alunos de 7ª série, com desempenho abaixo da mediana em aritmética e que trabalharam, tanto individual como coletivamente, em tarefas de dificuldade progressiva controladas por computador, descobriram que os trabalhos em grupo demandaram, em média, 60% ,menos tempo que os trabalhos individuais.
Pode-se argumentar que os alunos melhor preparados irão dominar e até mesmo tornar passivos os companheiros menos talentosos no contexto de trabalhos grupais. Aparentemente, isto não é verdadeiro em todas as ocasiões. Numa pesquisa realizada por Webb (1984) sobre a aprendizagem de programação em pequenos grupos, ficou evidenciado que o número de ocupações e o tempo gasto no teclado tem pouca relação com os resultados de computação. Os estudantes distantes das máquinas pareciam tão envolvidos com o material como aqueles que trabalhavam diretamente no teclado. Além disto, a cooperação grupal pareceu ser menos baseada em verbalização se comparada com outras atividades comuns da sala de aula:
Em trabalhos típicos da sala de aula, os estudantes podem explicar verbalmente como fazer o trabalho ou podem mostrar a um companheiro a direção a seguir, escrevendo, por exemplo, a solução de problemas de matemática no papel ou  no quadro negro. Mesmo quando “mostram” o trabalho, os alunos quase sempre empregam pistas verbais se a solução encontrada não é completa. Com os computadores, porém, as estratégias ou abordagens para resolver problemas (o programa) e os resultados são vistos claramente pôr todo, uma  vez que aparecem de modo padronizado na tela. Desta maneira, os alunos podem aprender a partir daquilo que os outros fazem, assim como do que dizem.

6. ESTÁGIO 3: UM LABORATÓRIO PARA A RE-ESTRUTURAÇÃO COGNITIVA
A partir do terceiro estágio da teoria de educação aqui delineada, pode-se concluir que o uso de novas tecnologias de informação deve ser visto de uma perspectiva mais ampla que aquela dos instrumentos para a transmissão efetiva da informação.
Ao contrário da informação, o conhecimento não pode ser “transferido” para os alunos. Deve ser induzido em contextos de aprendizagem que possibilitem a transformação da informação em conhecimento. Como já se observou, tais contextos de aprendizagem devem ser baseados em atividades sociais que criem conflitos sócio-cognitivos “naturais”, facilitando assim a re-estruturação cognitiva. Uma vez que os estágios iniciais do processo de ensino estão mais ou menos voltados para a transferência de informação, nossas escolas atualmente são dominadas por auditórios. Se a importância do terceiro estágio não for levada em conta, as novas tecnologias se converterão em simples prolongamento da visão tradicional e simplista do ensino. Na era da informação, não basta construir auditórios mais sofisticados e eletrônicos; é preciso ter laboratórios para a re-estruturação cognitiva.
Brown (1983) sugere que a tecnologia computadorizada fará renascer nas escolas o “aprender fazendo”.
Creio que a tecnologia irá mudar fundamentalmente tanto o uso como o conteúdo do “aprender fazendo”. Em particular, ela irá possibilitar um leque mais amplo dos cenários do aprender fazendo e a expansão dos tipos de conhecimentos que podem ser ensinados. Ou seja, ela irá facilitar e melhorar a aprendizagem das habilidades meta-cognitivas, habilidades do pensar sobre o pensar, o aprender, o lembrar e o diagnosticar.
Esta visão, porém, não é congruente com a filosofia educacional original pôr trás do aprender fazendo. Devido à ausência de trabalho prático e autêntico nas escolas, a realidade é substituída pôr cenários abstratos e artificiais. Aprender está muito próximo do resolver problemas, e o computador é uma ferramenta poderosa para este tipo de trabalho. Mas qual o tipo de problemas que os alunos resolvem realmente quando o computador é usado na educação? Raramente a mencionada máquina é empregada para resolver problemas reais; quase sempre ela é usada como uma fonte de problemas artificiais.
Parece que o uso de novas tecnologias está gerando um paradoxo: as escolas possuem agora uma ferramenta poderosa para resolver problemas; mas, que problemas podem ser resolvidos? Como as escolas estão afastadas das dimensões mais importantes da vida na sociedade, muitos dos problemas que os alunos estão tentando resolver no âmbito escolar são de caráter abstrato e artificial.

7. UMA SOCIEDADE SEM ESCOLAS?
De acordo com alguns filósofos da educação, o paradoxo atrás mencionado pode ser resolvido numa sociedade sem escolas. Illich (1972), por exemplo, propõe uma visão de uma sociedade desescolarizada. Atualmente esta visão vem sendo associada à tecnologia da informação. Papert (1983), o criador da linguagem LOGO, apresenta esta tendência da seguinte forma:
A presença do computador é o que tornará uma sociedade desescolarizada possível e até mesmo necessária. Se minha perspectiva do modo pelo qual os computadores devem ser utilizados for concretizada, a estrutura escolar será colocada em xeque em todos os níveis, do epistemológico ao social.
Na mesma direção, outros pesquisadores vêm afirmando que os microcomputadores darão nova vida ao trabalho no lar, escritórios e laboratórios, e irão acelerar a adoção de modos alternativos de educação, possibilitando, por esta via, o surgimento de uma sociedade desescolarizada. Os atuais sistemas de educação foram concebidos a partir de fatores históricos, sociais e econômicos que estão mudando. A educação oferecida hoje torna-se cada vez menos efetiva para fazer frente às necessidades do mundo contemporâneo. Esta circunstância pode levar ou à abolição das instituições escolares ou à diminuição do papel destas como o conseqüente surgimento de sistemas mais compreensivos e menos formais (Ross, 1982).
O desenvolvimento da tendência identificada por tais autores irá, de acordo com Papert, converter a educação pública em um ato privado:
Dentro de poucos anos assistiremos a uma explosão do número de computadores de uso pessoal. Mais que este dado quantitativo, o fenômeno do computadores pessoais parece estar surgindo numa direção que irá possibilitar, do ponto de vista qualitativo, um uso bastante parecido com o proposto pelo contexto LOGO. Quando isto ocorrer, alcançaremos, pela primeira vez na história, uma alternativa viável para as escolas e a possibilidade de que a educação se converta num ato privado… Este é um cenário plausível. Na próxima década, um considerável número de famílias possivelmente passará a ver o computador como uma alternativa viável para a escola pública (Papert, 1983).
Esta visão é muito parecida com os sonhos delineados por educadores como Rousseau e Dewey. Ela propõe, em síntese, uma volta ao modo natural de aprender e à “aprendizagem pelo fazer”. Mas, assim como em outras dimensões da vida, os métodos educacionais dependem de certos pressupostos que não podem ser desconsiderados se não quisermos converter belos sonhos em pesadelos. E quais são os pressupostos para a aprendizagem natural a partir do fazer? A resposta é simples: é preciso que a educação tenha relação com a vida social da criança. Por que muitas crianças aprendem a falar sem instrução sistemática? Porque falar é uma necessidade social no seu dia a dia. Por que a maioria das crianças não aprende a escrever sem instrução sistemática? Porque escrever não é uma necessidade social em sua vida cotidiana. Isto significa que a aprendizagem natural pelo fazer depende de como uma necessidade social está presente na vida diária da criança. O que for necessário será aprendido automaticamente e sem instrução sistemática. Na sociedade pré industrial as necessidades eram muitas e, ao mesmo tempo, a demanda por educação sistemática não era expressiva. O mundo era pequeno e estático, e podia, literalmente, ser apreendido em sua totalidade pela criança.
Na sociedade da alta tecnologia as relações mudaram. Com o desenvolvimento tecnológico as coisas se tornaram mais fáceis e as necessidades diminuíram. Uma das afirmações mais comuns que acompanha o surgimento de mais uma inovação tecnológica é “não é mais necessário…” Exemplos: “não é mais necessário lavar as roupas à mão”, “…ir à biblioteca”, “…ir às compras” e, talvez, “…ir à escola”.
Para os adultos, as perspectivas abertas pela sociedade da alta tecnologia podem significar maior liberdade pessoal, pois há menos coisas a fazer. Mas quais serão as conseqüências para as crianças caso as demandas sociais sejam menores e haja menos coisas para fazer? Neste caso, existirão menos oportunidades para  a aprendizagem natural e para o aprender fazendo.
Por este motivo, será preciso organizar tarefas e criar necessidades para “desafiar” as crianças. Necessidades criadas ou organizadas – ou mais precisamente, necessidades artificiais – são jogos de simulação. Nos domínios onde a necessidade social diminui, fica aberto o espaço para a simulação e a motivação. “Faça de conta que…” torna-se uma expressão chave.
A apresentação imediata é substituída por representações mediadas, num processo gradual e inconsciente que torna a educação mais abstrata e mais inautêntica ainda (Larsen, 1986b).
É preciso entender, porém, que educação não se reduz a instrução. As escolas não se ocupam exclusivamente com o ensino e a instrução, mas cumprem também outras finalidades sociais importantes. Se a educação se converter num ato privado, sendo, por exemplo, viabiliza por meio de computadores pessoais, algumas dimensões sociais muito importantes da educação possivelmente serão perdidas (Larsen, 1986a).
A interação entre a criança e o computador cria uma relação dual artificial que, à primeira vista, é paralela à relação aluno/professor. Porém, a aprendizagem efetiva não se reduz à relação professor/aluno. Isto pode ser importante nos estágios iniciais do processo educacional quando a necessidade de instrução e informação é muito grande. Mas, quando a educação chega ao terceiro estágio, a relação instrucional torna-se menos relevante na medida em que o aluno começa a usar suas habilidades e conhecimentos numa perspectiva social mais ampla em cooperação com outros parceiros. Para chegar a esta extensão do processo de aprendizagem pessoal, a instrução privada via microcomputadores é contraproducente, dado o seu caráter meramente individual.

8. CONCLUSÃO
Uma vez que a maioria dos produtos de EAC hoje existentes está baseada na teoria de transferência, as atenções se voltam para o primeiro e segundo estágio – transformação do conhecimento pessoal em informação pública, e transmissão e distribuição da informação para os alunos.
Estes dois estágios são bem conhecidos na implementação de software educacional (Larsen, 1987). Nesta direção, muito tempo e espaço têm sido empregados no desenvolvimento de programas e bancos de dados que podem apresentar informações relevantes para os alunos. O terceiro estágio – situação em que a informação obtida deve ser digerida pelos alunos – porém, é quase sempre desconsiderado. Este é um sério engano, pois reduz a educação à mera transferência de informação. Transformar a informação recebida em conhecimento pessoal requer duas importantes funções: transformação da informação explícita e objetiva em conhecimento subjetivo e  pessoal, e integração coerente do novo saber aos padrões de conhecimento já existentes na mente do aluno.
As mencionadas funções, dadas as suas características subjetivas, não podem ser inseridas no software, mas devem ser estimuladas desde outras instâncias em que a aprendizagem ocorre. Esta é a razão pela qual o conhecimento não pode simplesmente ser transmitido, mas induzido por meio de atividades como cooperação, interação social, re-estruturação pôr meio de conflitos sócio-cognitivos, e discussão e solução de problemas da vida real. Assim, a educação deve basear-se tanto na comunicação como na transformação/personalização. Nesta direção, o uso de tecnologias de informação não deve ser visto isoladamente, mas como parte de uma situação educacional mais ampla. A tecnologia é uma ferramenta, não um fim em si mesma.
Quando trabalhamos com as novas tecnologias na educação, devemos ter em mente o modelo de três estágios e estar conscientes das atividades requeridas pelo terceiro estágio. Assim, ao implementar novos softwares educacionais precisamos nos perguntar: quais são as atividades necessárias para complementar meu software de maneira que a informação apresentada seja transformada em conhecimentos pelos alunos?
A integração das novas tecnologias da informação ao processo educativo implica, portanto, no entendimento de que educação não é apenas um problema de instrução. Os modernos produtos tecnológicos não devem ser vistos como máquinas de ensinar para as quais se deve desenvolver  bons softwares, mas como ferramentas que, controladas pelos alunos, podem ser um poderoso instrumento para a construção de conhecimento pessoal. Dentro desta perspectiva, a tecnologia da informação é apenas um aspecto do contexto social no qual a educação ocorre. Assim, o que é necessário no momento não é uma tecnologia mais sofisticada ou aprofundamento dos usos e características desta tecnologia, mas uma “sociologia da educação” revista (Larsen, 1988).
Os princípios sobre os quais os atuais sistemas educacionais se baseiam são mais congruentes com idéias do século passado do que com as possibilidades inerentes às novas tecnologias. Estas últimas irão expandir as possibilidades educacionais, em parte porque uma imensa quantidade de informação estará à disposição dos estudantes, em parte porque os computadores aparentemente oferecem mais oportunidades para categorias práticas de aprendizagem que as operações mentais predominantes na maioria dos ambientes de ensino das salas de aula comuns.
Do ponto de vista educacional, porém, as vantagens das novas tecnologias da informação podem converter-se em desvantagens se o uso das mesmas não ocorrer de acordo com uma filosofia educacional explícita e bem definida. É verdade que as novas tecnologias podem ser empregadas como ferramentas para levar à sala de aula quase todos os tipos de informação. Esta não é, porém, uma estratégia educacional razoável. Nossas escolas, auditórios para ouvintes isolados, precisam converter-se em laboratórios de ativa cooperação. O desafio atual, neste sentido, é o de investigar como a nova tecnologia da informação pode ser usada na direção da necessária mudança.

REFERÊNCIAS
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*Original: New Technologies in Education: Social and Psychological Aspects, invited paper, European Conference on Computers in Education – ECCE/88, Lausanne, julho/88. Tradução: Jarbas Novelino Barato, São Paulo, 1988.

Disponível em <http://jarbas.wordpress.com/038-palestra-de-steen-larsen/>. Acesso em 02 jul de 12.

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