ASPECTOS SOCIAIS E
PSICOLÓGICOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS*
Steen Larsen
RESUMO
Simples transferência
de informação não é idêntica à elaboração de conhecimento. É preciso
compreender esta diferença, caso não se queira reduzir o entendimento do
ensino-aprendizagem a uma teoria simplista. Para superar este simplismo, o
autor apresenta uma teoria de ensino-aprendizagem que abrange três estágios, baseando-se
no fundamento de que informações explícitas devem ser transformadas em
conhecimento personalizado por meio de re-estruturação sócio-cognitiva em
situações sociais de aprendizagem. O autor conclui que nossas escolas precisam
sofrer profundas mudanças, deixando de ser auditórios para ouvintes isolados e
passando a ser laboratórios de cooperação ativa.
1. INTRODUÇÃO
O rápido
desenvolvimento e amplo uso de novas tecnologias educacionais coloca a
necessidade da correspondente elaboração de novas teorias e filosofias de
educação. Esta renovação do saber educacional deve ter como um de seus pontos
de partida o fato de que as novas tecnologias estão voltadas mais
significativamente para o tratamento de informações que as tecnologias
anteriores. Por isto, é importante entender o que realmente é e o que não é
informação, caso não se queira, com ou sem o uso de novas tecnologias,
converter nossas escolas em instituições irrelevantes ou decadentes. Se não
tomarmos este cuidado, corremos o risco de formar uma geração de estudantes
historicamente mais informada que qualquer outra, mas, apesar disto, com menos
conhecimento.
A conclusão do
parágrafo anterior parece contraditória. Não é. Há contradição, no caso, apenas
para aqueles que pensam que transmitir informações para os alunos é idêntico a
proporcionar-lhes conhecimento. Pretendemos aqui discutir esta falsa
contradição e apresentar uma teoria para o uso da nova tecnologia da informação
no âmbito educacional.
2. TEORIAS SIMPLISTAS
E TEORIAS COMPREENSIVAS
Ao examinar o tema
educação, percebemos dois tipos de abordagens teóricas de
ensino-aprendizagem: uma simplista, outra compreensiva. Freqüentemente,
professores pouco experientes empregam analogias pertencentes à categoria que
podemos chamar de “teoria da transferência no ensino” (Fox, 1983). Este ponto
de vista teórico vê as mentes dos estudantes como recipientes nos quais as
informações relevantes (conteúdos) devem ser depositados.
A primeira abordagem
teórica é simplista porque não faz qualquer distinção entre informação e
conhecimento. Parte do pressuposto de que transferir informação para os
alunos é idêntico a dar-lhes conhecimento. A partir desta perspectiva, as preocupações
educacionais acabam se reduzindo a questões do tipo: como elaborar bons
materiais didáticos; como desenvolver e aperfeiçoar os métodos de
transmissão; como elaborar material auxiliar a fim de que os professores
possam, de modo preciso, levar informações relevantes aos recipientes. Esta
teoria simplista da transmissão predomina ainda hoje na concepção de programas
de EAC – Ensino Assistido por Computador.
A segunda abordagem teórica
(compreensiva) considera que o aluno é também sujeito e não apenas mero objeto
no processo de transmissão da informação. Consequentemente, ela propõe que o
aluno deve construir seu próprio conhecimento a partir da informação recebida.
Não é suficiente, portanto, transmitir informação. O processo de
ensino-aprendizagem precisa ser visto de modo mais compreensivo.
Levar em conta a
diferença entre conhecimento e informação é o primeiro passo na transição de
uma visão simplista para uma teoria mais compreensiva da educação. Pretendo
discutir tal diferença no âmbito do processo de comunicação; processo este
geralmente associado à idéia de transferência de uma mensagem de uma para outra
pessoa. A raiz da palavra comunicação é comum; ou seja, refere-se algo de uso
público, a linguagem. O pré-requisito para comunicação dos pensamentos íntimos
de uma pessoa é colocá-los numa forma que obedeça regras comuns (compartilhadas)
no campo da semântica e da sintaxe. Este processo pelo qual os pensamentos
íntimos de alguém são transformados de acordo com fórmulas lingüísticas
compartilhadas deve, porém, ocorrer internamente antes que qualquer mensagem
possa ser transferida para outros. A comunicação, assim, abrange dois momentos:
1)Conhecimento pessoal e
subjetivo que é transformado em fórmulas lingüísticas compartilhadas;
2)mensagem lingüística que
é transferida a outros, tornando-se pública.
Conhecimento, portanto, é
algo pessoal, pré-conceitual e não lingüístico em sua origem, e que, por meio
do processo de comunicação, pode se transformar em informação pública. Na
direção inversa, informação pode ser definida como conhecimento pessoal que foi
transformado, por meio do processo de comunicação, em algo compartilhável.
Os argumentos até
aqui desenvolvidos têm implicações importantes. Primeira: o conhecimento não
existe independentemente dos seres humanos por causa de suas dimensões
subjetivas e pré-conceituais; em outras palavras, conhecimento é mais do
que simples informação, é um conglomerado que inclui também aspectos não
lingüísticos como experiência prévia, sentimentos, memórias episódicas,
imaginação, expectativas, etc.
A segunda implicação
importante é a de que o conhecimento não pode ser transferido diretamente de
uma pessoa para outra, sem ser primeiramente transformado em informação. Esta
última, por outro lado, pode ser diretamente transferida porque é constituído
por elementos bem definidos e explícitos, enquanto que conhecimento, devido a
suas características compreensivas e implícitas, pode apenas ser induzido
(Larsen, 1986 c).
3. POR UMA TEORIA
COMPREENSIVA DA EDUCAÇÃO
A partir da discussão
anterior, é possível agora delinear uma teoria educacional compreensiva,
abrangendo três estágios.
O primeiro estágio consiste
na transformação do conhecimento implícito e pessoal dos professores em
informação explícita. Funções tais como a definição de conceitos, escolha da terminologia,
divisão da disciplina em tópicos claros e independentes, elaboração de textos,
etc., integram este estágio. A transformação de conhecimento implícito e
pessoal em informação explícita é o primeiro estágio de qualquer processo
educacional. Podemos identificá-lo em situações tais como: para dar sua próxima
aula, um professor está planejando seu trabalho; um autor está delineando a
concepção de seu próximo livro didático; ou uma equipe de educadores está
preparando as especificações de um software educacional.
Quando a
transformação a que nos referimos anteriormente chega ao fim, o processo
educacional entra no segundo estágio. Basicamente, esta fase consiste na transferência
da informação produzida para os alunos. Tal estágio inclui todos os
meios de transferência que tão bem conhecemos, ou seja: a fala, o texto, o rádio, a
TV, o computador, etc. A questão fundamental, nesta fase, é assegurar
que as informações relevantes sejam transmitidas do modo mais efetivo possível
aos alunos, sem ruídos perturbadores ou interrupções.
Nos dois primeiros
estágios transitamos ainda por um campo parecido com aquele proposto pelas
concepções simplistas de educação. Ingressamos na área de uma teoria mais
compreensiva do processo educacional apenas quando avançamos para o terceiro
estágio. Este último é alcançado no momento em que compreendemos que os alunos
são sujeitos e devem desenvolver seu conhecimento pessoal a partir da
informação recebida. Neste estágio, os atores são os alunos. Eles deverão, de
certa forma, trilhar um caminho inverso ao percorrido pelos professores no primeiro
estágio, transformando informação pública em conhecimento pessoal. Neste
momento, a informação recebida será “digerida”, perdendo as características de
um padrão de elementos bem definidos e parcelados, e sendo gradualmente
assimilada e integrada à estrutura de conhecimento já existentes dos alunos.
A meta final da
educação é criar especialização. Tal proeza não é resultado apenas de
informação e pensamento lógico-formal. Nas situações concretas da vida,
verdadeiros especialistas não trabalham exclusivamente de acordo com fatos e
regras explícitas. Verdadeiros especialistas ultrapassam a fase da
lógica formal e da informação auto-regulatória, trabalhando mais
automaticamente, dirigidos pela experiência, intuição e conhecimento pessoal.
Convém, neste momento,
lançar mão de uma citação de Minsky (1983) descrevendo a diferença entre
pensamento lógico-formal e senso comum:
1. Por que é mais
fácil(…) elaborar programas especializados em cálculo e xadrez que programas
capazes de resolver problemas infantis ou especialistas na análise de cenas da
vida comum? A resposta a esta questão é aparentemente paradoxal. Os
procedimentos que tanto admiramos nas áreas de cálculo e xadrez, apesar da
dificuldade em descobri-los e aprendê-los, são quase sempre claros e simples
numa análise final… Os conhecimentos especializados que se requer para
trabalhar uma dada estrutura matemática são uniformes e homogêneos. Por outro
lado, analisar como o conhecimento comum se estrutura não é tarefa fácil…
Ninguém é capaz sequer de escrever bons axiomas lógico-formais e regras de
inferência para qualquer campo substancial de conhecimento do senso comum.
Por quê? Porque o
conhecimento pessoal e o senso comum não se baseiam exclusivamente em processos
governados por regras bem estabelecidas. Funções lógicas, governadas
estritamente por regras, são monótonas, uma vez que dadas certas premissas elas
levam sempre a conclusões determinadas e previsíveis. Através da prática, estas
formas de pensar, lógicas e matemáticas, são, por assim dizer, gradualmente
condensadas, convertendo-se num conhecimento verdadeiramente especializado,
automático e intuitivo. A especialização avançada, dadas as suas
características de não monotonia, está mais próxima do senso comum que o
pensamento lógico-formal. Cabe aqui a citação do testemunho de Daniel Boorstin
(1980), diretor da Biblioteca do Congresso Americano:
É um lugar comum de nosso
tempo afirmar que esta nação precisa de “cidadãos bem informados”. (…) Eu, pelo
contrário, proponho que precisamos – em qualquer país verdadeiramente livre –
de “cidadãos que tenham conhecimento”.
Informação, assim
como diversão, é artigo de consumo. Esperamos obter de alguém diversão e
informação. Não podemos, porém, obter conhecimento! Cada um de nós deve
construir um conhecimento pessoal.
Como, porém, a
informação recebida é transformada em especialização e conhecimento pessoal no
terceiro estágio?
A transformação ocorre
quando os alunos estão engajados em atividades de cooperação, interação social,
discussão, explicação, recuperação de experiências prévias, solução de
problemas do cotidiano. A re-estruturação do conhecimento dos alunos é
facilitada pelo aparecimento do que podemos chamar de conflitos cognitivos
nestas atividades.
4. CONFLITOS
SÓCIO-COGNITIVOS E RE-ESTRUTURAÇÃO DO CONHECIMENTO
De acordo com Piaget
(1950),o desenvolvimento cognitivo está intimamente associado com o engajamento
em ações e operações que são, ao mesmo tempo social e individualmente
organizadas.
Ele afirma que é pelo constante intercâmbio de pensamentos com os outros que
nos descentralizamos de nós mesmos, podendo assim coordenar relações internas
derivadas de diferentes pontos de vista. Para Piaget, a cooperação é a primeira
de uma série de formas de comportamento importantes na constituição e desenvolvimento
do pensamento.
Especialistas em teoria da
aprendizagem, como Murray (1974) e Bandura (1977), explicam a aquisição de
novas habilidades nas crianças como resultado de um processo de imitação,
particularmente do processo de imitação dos melhores modelos. Por outro lado, Mungny e
Doise (1978), e Weinstein e Bearison (1985) mostram que sujeitos que interagem
com parceiros menos avançados alcançam tanto progresso quanto sujeitos que
interagem com parceiros mais avançados. Assim, a idéia de que a imitação é um
mecanismo fundamental na aprendizagem social parece não se sustentar.
Marian, Desjardins e
Breante (1974) observaram que a “interação entre participantes cresce quando o
conflito cognitivos é sentido por todos”. Na mesma direção, Daise, Mugny e Perret-Clermant
(1975) delinearam um modelo sócio-cognitivo do desenvolvimento infantil,
baseando-se na hipótese do “conflito cognitivo experimentado e resolvido
socialmente”. Em diversos experimentos, os últimos autores mostraram que as
crianças, quando trabalham juntas em díades e têm oportunidade de gerar
conflitos sócio-cognitivos, são capazes de resolver problemas de nível mais
elevado que as crianças que trabalham isoladamente. Além disto, como
mostraram Mugny e Doise (1978), é nas combinações diádicas, onde sujeitos com
diferentes níveis de habilidade trabalham em conjunto, que parceiros menos e
mais avançados progridem consistentemente.
Parece que a
re-estruturação cognitiva é mais forte nos trabalhos grupais que nos
individuais, porque a interação social gera diferentes visões de oposição,
possibilitando desta forma conflitos cognitivos entre os sujeitos. E, de Acordo
com Piaget (1975), “os fatores mais produtivos na aquisição (do conhecimento)
são os distúrbios gerados pelo conflito”.
Os mencionados conflitos
obrigam as pessoas a coordenarem suas ações. Isto sugere que uma acomodação no
encontro com os pontos de vista de outrem pode ser assimilada se a
re-estruturação cognitiva ocorrer. De acordo com Clermont (1980), conflitos
deste tipo…
… trazem um desequilíbrio
que torna necessária a elaboração cognitiva. Desta forma, o conflito cognitivo
confere um papel especial ao fator social como um dos elementos mais
importantes no crescimento mental. O conflito sócio-cognitivo pode ser
figurativamente comparado com a reação catalítica no campo da química; esta
última não aparece no produto final, mas sem ela a nova estrutura não ocorre.
A partir da
importância da interação social na aprendizagem, pode-se concluir, portanto,
que uma criança, quando trabalha sozinha numa certa tarefa, fica presa a uma
abordagem egocêntrica se comparada com crianças que trabalham cooperativamente.
No último caso, os conflitos sócio-cognitivos, devido aos diferentes pontos de
vista, fazem com que a re-estruturação cognitiva seja um necessidade para as
pessoas.
5. ENSINO ASSISTIDO
POR COMPUTADOR E INTERAÇÃO SOCIAL
Até agora, poucas
investigações sistemáticas têm se voltado para a questão da interação social
entre estudantes no contexto de trabalho com computadores. Há algumas
descrições incidentais sobre a troca de idéias entre estudantes usando
programas de gerenciamento de dados (Rubin, 1980; Collins, Bruce e Rubin, 1982;
Zacchei, 1982) e programação de computadores em grupo (Jabs, 1981).
Os poucos estudos
sistemáticos já efetuados na área, porém, apontam para diferenças notáveis
entre o trabalho individual e o grupal com computadores. Reid, Palmer, Whitlock e
Jones (1973), por exemplo, observaram que algumas crianças resolveram problemas
de modo mais efetivo em grupos que individualmente. Um estudo conduzido por
Cheney (1977) mostrou que alunos trabalhando em duplas para aprender
programação obtiverem melhores resultados que alunos que trabalharam
isoladamente. Na mesma direção, Klaus e Grau (1976), num estudo com alunos de
7ª série, com desempenho abaixo da mediana em aritmética e que trabalharam,
tanto individual como coletivamente, em tarefas de dificuldade progressiva
controladas por computador, descobriram que os trabalhos em grupo demandaram,
em média, 60% ,menos tempo que os trabalhos individuais.
Pode-se argumentar que os
alunos melhor preparados irão dominar e até mesmo tornar passivos os
companheiros menos talentosos no contexto de trabalhos grupais. Aparentemente,
isto não é verdadeiro em todas as ocasiões. Numa pesquisa realizada por Webb
(1984) sobre a aprendizagem de programação em pequenos grupos, ficou
evidenciado que o número de ocupações e o tempo gasto no teclado tem pouca
relação com os resultados de computação. Os estudantes distantes das máquinas
pareciam tão envolvidos com o material como aqueles que trabalhavam diretamente
no teclado. Além disto, a cooperação grupal pareceu ser menos baseada em
verbalização se comparada com outras atividades comuns da sala de aula:
Em trabalhos típicos
da sala de aula, os estudantes podem explicar verbalmente como fazer o trabalho
ou podem mostrar a um companheiro a direção a seguir, escrevendo, por exemplo,
a solução de problemas de matemática no papel ou no quadro negro. Mesmo
quando “mostram” o trabalho, os alunos quase sempre empregam pistas verbais se
a solução encontrada não é completa. Com os computadores, porém, as estratégias
ou abordagens para resolver problemas (o programa) e os resultados são vistos
claramente pôr todo, uma vez que aparecem de modo padronizado na tela. Desta
maneira, os alunos podem aprender a partir daquilo que os outros fazem, assim
como do que dizem.
6. ESTÁGIO 3: UM
LABORATÓRIO PARA A RE-ESTRUTURAÇÃO COGNITIVA
A partir do terceiro
estágio da teoria de educação aqui delineada, pode-se concluir que o uso de
novas tecnologias de informação deve ser visto de uma perspectiva mais ampla
que aquela dos instrumentos para a transmissão efetiva da informação.
Ao contrário da informação,
o conhecimento não pode ser “transferido” para os alunos. Deve ser induzido em
contextos de aprendizagem que possibilitem a transformação da informação em conhecimento. Como
já se observou, tais contextos de aprendizagem devem ser baseados em atividades
sociais que criem conflitos sócio-cognitivos “naturais”, facilitando assim a re-estruturação
cognitiva. Uma vez que os estágios iniciais do processo de ensino estão mais ou
menos voltados para a transferência de informação, nossas escolas atualmente
são dominadas por auditórios. Se a importância do terceiro estágio não for
levada em conta, as novas tecnologias se converterão em simples prolongamento
da visão tradicional e simplista do ensino. Na era da informação, não basta
construir auditórios mais sofisticados e eletrônicos; é preciso ter
laboratórios para a re-estruturação cognitiva.
Brown (1983) sugere
que a tecnologia computadorizada fará renascer nas escolas o “aprender
fazendo”.
Creio que a
tecnologia irá mudar fundamentalmente tanto o uso como o conteúdo do “aprender
fazendo”. Em particular, ela irá possibilitar um leque mais amplo dos cenários
do aprender fazendo e a expansão dos tipos de conhecimentos que podem ser
ensinados. Ou seja, ela irá facilitar e melhorar a aprendizagem das habilidades
meta-cognitivas, habilidades do pensar sobre o pensar, o aprender, o lembrar e
o diagnosticar.
Esta visão, porém,
não é congruente com a filosofia educacional original pôr trás do aprender
fazendo. Devido à ausência de trabalho prático e autêntico nas escolas, a
realidade é substituída pôr cenários abstratos e artificiais. Aprender está muito
próximo do resolver problemas, e o computador é uma ferramenta poderosa para
este tipo de trabalho. Mas qual o tipo de problemas que os alunos resolvem
realmente quando o computador é usado na educação? Raramente a mencionada
máquina é empregada para resolver problemas reais; quase sempre ela é usada
como uma fonte de problemas artificiais.
Parece que o uso de
novas tecnologias está gerando um paradoxo: as escolas possuem agora uma
ferramenta poderosa para resolver problemas; mas, que problemas podem ser
resolvidos? Como as escolas estão afastadas das dimensões mais importantes da
vida na sociedade, muitos dos problemas que os alunos estão tentando resolver
no âmbito escolar são de caráter abstrato e artificial.
7. UMA SOCIEDADE SEM
ESCOLAS?
De acordo com alguns
filósofos da educação, o paradoxo atrás mencionado pode ser resolvido numa
sociedade sem escolas. Illich (1972), por exemplo, propõe uma visão de uma
sociedade desescolarizada. Atualmente esta visão vem sendo associada à
tecnologia da informação. Papert (1983), o criador da linguagem LOGO, apresenta
esta tendência da seguinte forma:
A presença do
computador é o que tornará uma sociedade desescolarizada possível e até mesmo
necessária. Se minha perspectiva do modo pelo qual os computadores devem ser
utilizados for concretizada, a estrutura escolar será colocada em xeque em
todos os níveis, do epistemológico ao social.
Na mesma direção,
outros pesquisadores vêm afirmando que os microcomputadores darão nova vida ao
trabalho no lar, escritórios e laboratórios, e irão acelerar a adoção de modos
alternativos de educação, possibilitando, por esta via, o surgimento de uma
sociedade desescolarizada. Os atuais sistemas de educação foram concebidos a
partir de fatores históricos, sociais e econômicos que estão mudando. A
educação oferecida hoje torna-se cada vez menos efetiva para fazer frente às
necessidades do mundo contemporâneo. Esta circunstância pode levar ou à
abolição das instituições escolares ou à diminuição do papel destas como o
conseqüente surgimento de sistemas mais compreensivos e menos formais (Ross,
1982).
O desenvolvimento da
tendência identificada por tais autores irá, de acordo com Papert, converter a
educação pública em um ato privado:
Dentro de poucos anos
assistiremos a uma explosão do número de computadores de uso pessoal. Mais que
este dado quantitativo, o fenômeno do computadores pessoais parece estar
surgindo numa direção que irá possibilitar, do ponto de vista qualitativo, um
uso bastante parecido com o proposto pelo contexto LOGO. Quando isto ocorrer,
alcançaremos, pela primeira vez na história, uma alternativa viável para as
escolas e a possibilidade de que a educação se converta num ato privado… Este é um
cenário plausível. Na próxima década, um considerável número de famílias possivelmente
passará a ver o computador como uma alternativa viável para a escola pública
(Papert, 1983).
Esta visão é muito
parecida com os sonhos delineados por educadores como Rousseau e Dewey. Ela
propõe, em síntese, uma volta ao modo natural de aprender e à “aprendizagem
pelo fazer”. Mas, assim como em outras dimensões da vida, os métodos
educacionais dependem de certos pressupostos que não podem ser desconsiderados
se não quisermos converter belos sonhos em pesadelos. E quais
são os pressupostos para a aprendizagem natural a partir do fazer? A resposta é
simples: é preciso que a educação tenha relação com a vida social da criança.
Por que muitas crianças aprendem a falar sem instrução sistemática? Porque
falar é uma necessidade social no seu dia a dia. Por que a maioria das crianças
não aprende a escrever sem instrução sistemática? Porque escrever não é uma
necessidade social em sua vida cotidiana. Isto significa que a aprendizagem
natural pelo fazer depende de como uma necessidade social está presente na vida
diária da criança. O que for necessário será aprendido automaticamente e sem
instrução sistemática. Na sociedade pré industrial as necessidades eram muitas
e, ao mesmo tempo, a demanda por educação sistemática não era expressiva. O
mundo era pequeno e estático, e podia, literalmente, ser apreendido em sua
totalidade pela criança.
Na sociedade da alta
tecnologia as relações mudaram. Com o desenvolvimento tecnológico as coisas se
tornaram mais fáceis e as necessidades diminuíram. Uma das afirmações mais comuns
que acompanha o surgimento de mais uma inovação tecnológica é “não é mais
necessário…” Exemplos: “não é mais necessário lavar as roupas à mão”, “…ir à
biblioteca”, “…ir às compras” e, talvez, “…ir à escola”.
Para os adultos, as
perspectivas abertas pela sociedade da alta tecnologia podem significar maior
liberdade pessoal, pois há menos coisas a fazer. Mas quais serão as
conseqüências para as crianças caso as demandas sociais sejam menores e haja
menos coisas para fazer? Neste caso, existirão menos oportunidades para a
aprendizagem natural e para o aprender fazendo.
Por este motivo, será
preciso organizar tarefas e criar necessidades para “desafiar” as crianças.
Necessidades criadas ou organizadas – ou mais precisamente, necessidades
artificiais – são jogos de simulação. Nos domínios onde a necessidade social
diminui, fica aberto o espaço para a simulação e a motivação. “Faça de conta
que…” torna-se uma expressão chave.
A apresentação
imediata é substituída por representações mediadas, num processo gradual e
inconsciente que torna a educação mais abstrata e mais inautêntica ainda
(Larsen, 1986b).
É preciso entender,
porém, que educação não se reduz a instrução. As escolas não se ocupam
exclusivamente com o ensino e a instrução, mas cumprem também outras
finalidades sociais importantes. Se a educação se converter num ato privado,
sendo, por exemplo, viabiliza por meio de computadores pessoais, algumas
dimensões sociais muito importantes da educação possivelmente serão perdidas
(Larsen, 1986a).
A interação entre a
criança e o computador cria uma relação dual artificial que, à primeira vista,
é paralela à relação aluno/professor. Porém, a aprendizagem efetiva não se
reduz à relação professor/aluno. Isto pode ser importante nos estágios iniciais
do processo educacional quando a necessidade de instrução e informação é muito
grande. Mas, quando a educação chega ao terceiro estágio, a relação
instrucional torna-se menos relevante na medida em que o aluno começa a usar
suas habilidades e conhecimentos numa perspectiva social mais ampla em
cooperação com outros parceiros. Para chegar a esta extensão do processo de
aprendizagem pessoal, a instrução privada via microcomputadores é
contraproducente, dado o seu caráter meramente individual.
8. CONCLUSÃO
Uma vez que a maioria
dos produtos de EAC hoje existentes está baseada na teoria de transferência, as
atenções se voltam para o primeiro e segundo estágio – transformação do
conhecimento pessoal em informação pública, e transmissão e distribuição da
informação para os alunos.
Estes dois estágios
são bem conhecidos na implementação de software educacional (Larsen, 1987).
Nesta direção, muito tempo e espaço têm sido empregados no desenvolvimento de
programas e bancos de dados que podem apresentar informações relevantes para os
alunos. O terceiro estágio – situação em que a informação obtida deve ser
digerida pelos alunos – porém, é quase sempre desconsiderado. Este é um sério
engano, pois reduz a educação à mera transferência de informação. Transformar a
informação recebida em conhecimento pessoal requer duas importantes funções:
transformação da informação explícita e objetiva em conhecimento subjetivo e
pessoal, e integração coerente do novo saber aos padrões de conhecimento
já existentes na mente do aluno.
As mencionadas funções,
dadas as suas características subjetivas, não podem ser inseridas no software,
mas devem ser estimuladas desde outras instâncias em que a aprendizagem ocorre.
Esta é a razão pela qual o conhecimento não pode simplesmente ser transmitido,
mas induzido por meio de atividades como cooperação, interação social,
re-estruturação pôr meio de conflitos sócio-cognitivos, e discussão e solução
de problemas da vida real. Assim, a educação deve basear-se tanto na
comunicação como na transformação/personalização. Nesta direção, o uso de
tecnologias de informação não deve ser visto isoladamente, mas como parte de
uma situação educacional mais ampla. A tecnologia é uma ferramenta, não um fim
em si mesma.
Quando trabalhamos
com as novas tecnologias na educação, devemos ter em mente o modelo de três
estágios e estar conscientes das atividades requeridas pelo terceiro estágio.
Assim, ao implementar novos softwares educacionais precisamos nos perguntar:
quais são as atividades necessárias para complementar meu software de maneira
que a informação apresentada seja transformada em conhecimentos pelos alunos?
A integração das
novas tecnologias da informação ao processo educativo implica, portanto, no
entendimento de que educação não é apenas um problema de instrução. Os modernos
produtos tecnológicos não devem ser vistos como máquinas de ensinar para as
quais se deve desenvolver bons softwares, mas como ferramentas que,
controladas pelos alunos, podem ser um poderoso instrumento para a construção
de conhecimento pessoal. Dentro desta perspectiva, a tecnologia da informação é
apenas um aspecto do contexto social no qual a educação ocorre. Assim, o que é
necessário no momento não é uma tecnologia mais sofisticada ou aprofundamento
dos usos e características desta tecnologia, mas uma “sociologia da educação”
revista (Larsen, 1988).
Os princípios sobre
os quais os atuais sistemas educacionais se baseiam são mais congruentes com
idéias do século passado do que com as possibilidades inerentes às novas
tecnologias. Estas últimas irão expandir as possibilidades educacionais, em
parte porque uma imensa quantidade de informação estará à disposição dos
estudantes, em parte porque os computadores aparentemente oferecem mais
oportunidades para categorias práticas de aprendizagem que as operações mentais
predominantes na maioria dos ambientes de ensino das salas de aula comuns.
Do ponto de vista
educacional, porém, as vantagens das novas tecnologias da informação podem
converter-se em desvantagens se o uso das mesmas não ocorrer de acordo com uma
filosofia educacional explícita e bem definida. É verdade que as novas
tecnologias podem ser empregadas como ferramentas para levar à sala de aula
quase todos os tipos de informação. Esta não é, porém, uma estratégia
educacional razoável. Nossas escolas, auditórios para ouvintes isolados,
precisam converter-se em laboratórios de ativa cooperação. O desafio atual,
neste sentido, é o de investigar como a nova tecnologia da informação pode ser
usada na direção da necessária mudança.
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*Original:
New Technologies in Education: Social and Psychological Aspects, invited paper,
European Conference on Computers in Education – ECCE/88, Lausanne , julho/88. Tradução: Jarbas Novelino
Barato, São Paulo, 1988.
Disponível em <http://jarbas.wordpress.com/038-palestra-de-steen-larsen/>. Acesso em 02 jul de 12.
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