INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO
O Computador auxiliando o processo de mudança na escola
José A. Valente
NIED-UNICAMP e
CED-PUCSP
INTRODUÇÃO
Estamos
praticamente vivendo na sociedade do conhecimento onde os processos de
aquisição do conhecimento assumem um papel de destaque exigindo um profissional
crítico, criativo, reflexivo e com capacidade de pensar, de aprender a
aprender, de trabalhar em grupo e de se conhecer como indivíduo. Cabe à
educação formar esse profissional. No entanto, a educação capaz de formar esse
profissional não pode mais ser baseada na instrução que o professor transmite
ao aluno mas, na construção do conhecimento pelo aluno e no desenvolvimento
dessas novas competências.
Uma das tentativas de se repensar a educação tem sido feita por
intermédio da introdução do computador na escola. Entretanto, a utilização do
computador na educação não significa, necessariamente, o repensar da educação.
O computador usado como meio de passar a informação ao aluno mantém a abordagem
pedagógica vigente, informatizando o processo instrucional e, portanto,
conformando e fossilizando a escola. Na verdade, tanto o ensino tradicional
quanto sua informatização prepara um profissional obsoleto.
Por outro lado, o computador apresenta recursos importantes para
auxiliar o processo de mudança na escola - a criação de ambientes de
aprendizagem que enfatizam a construção do conhecimento e não a instrução. Isso
implica em entender o computador como uma nova maneira de representar o
conhecimento provocando um redimensionamento dos conceitos básicos já
conhecidos e possibilitando a busca e compreensão de novas idéias e valores.
Usar o computador com essa finalidade requer a análise cuidadosa do que
significa ensinar e aprender, demanda rever a prática e a formação do professor
para esse novo contexto, bem como mudanças no currículo e na própria estrutura
da escola.
O QUE É INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO?
O termo "Informática na Educação" tem assumido
diversos significados dependendo da visão educacional e da condição pedagógica
em que o computador é utilizado.
( ... ) O termo "Informática na Educação" significa a
inserção do computador no processo de aprendizagem dos conteúdos curriculares
de todos os níveis e modalidades de educação. Para tanto, o professor da
disciplina curricular deve ter conhecimento sobre os potenciais educacionais do
computador e ser capaz de alternar adequadamente atividades tradicionais de
ensino-aprendizagem e atividades que usam o computador.
No entanto, a atividade de uso do computador na disciplina
curricular pode ser feita tanto para continuar transmitindo a informação para o
aluno e, portanto, para reforçar o processo tradicional de ensino (processo
instrucionista), quanto para criar condições para o aluno construir seu
conhecimento por meio da criação de ambientes de aprendizagem que incorporem o
uso do computador (processo construcionista).
AS ABORDAGENS INSTRUCIONISTA E CONSTRUCIONISTA
O computador pode ser usado na educação como máquina de ensinar
ou como máquina para ser ensinada. O uso do computador como máquina de ensinar
consiste na informatização dos métodos de ensino tradicionais. Do ponto de
vista pedagógico esse é o paradigma instrucionista. Alguém implementa no
computador uma série de informações e essas informações são passadas aos alunos
na forma de um tutorial, exercício-e-prática ou jogo. Além disso, esses
sistemas podem fazer perguntas e receber respostas no sentido de verificar se a
informação foi retida. Essas características são bastante desejadas em um
sistema de ensino instrucionista já que a tarefa de administrar o processo de
ensino pode ser executada pelo computador, livrando o professor da tarefa de
correção de provas e exercícios.
Embora, nesse caso o paradigma pedagógico ainda seja o
instrucionista, esse uso do computador tem sido caracterizado, erroneamente,
como construtivista, no sentido piagetiano, ou seja, para propiciar a
construção do conhecimento na "cabeça" do aluno. Como se o
conhecimento fosse construído por meio de tijolos (informação) que devem ser
justapostos e sobrepostos na construção de uma parede.
Nesse caso, o computador tem a finalidade de facilitar a construção
dessa "parede", fornecendo "tijolos" do tamanho mais
adequado, em pequenas doses e de acordo com a capacidade individual de cada
aluno.
Com o objetivo de evitar essa noção errônea sobre o uso do
computador na educação, Papert denominou de construcionista a abordagem pela
qual o aprendiz constrói, por intermédio do computador, o seu próprio
conhecimento. Ele usou esse termo para mostrar um outro nível de construção do
conhecimento: a construção do conhecimento que acontece quando o aluno constrói
um objeto de seu interesse, como uma obra de arte, um relato de experiência ou
um programa de computador. Na noção de construcionismo de Papert, existem duas
idéias que contribuem para que esse tipo de construção do conhecimento seja
diferente do construtivismo de Piaget. Primeiro o aprendiz constrói alguma
coisa ou seja, é o aprendizado por meio do fazer, do "colocar a mão na
massa". Segundo, o fato de o aprendiz estar construindo algo do seu
interesse e para o qual ele está bastante motivado. O envolvimento afetivo
torna a aprendizagem mais significativa.
Entretanto, na minha opinião, o que contribui para a diferença
entre essas duas maneiras de construir o conhecimento é a presença do
computador - o fato de o aprendiz estar construindo algo usando o computador
(computador como máquina para ser ensinada). Nesse caso, o computador requer
certas ações que são bastante efetivas no processo de construção do
conhecimento.
Quando o aluno interage com o computador passando informação
para a máquina se estabelece um ciclo -
descrição-execução-reflexão-depuração-descrição - que é o propulsor do processo
de construção do conhecimento. Por exemplo, para programar o computador para
resolver um problema o aluno deve ser capaz de passar a idéia de como resolver
o problema na forma de uma seqüência de comandos da linguagem de programação.
Isso significa, a descrição da solução do problema usando comandos da
linguagem de programação.
O computador, por sua vez, realiza a execução desses
procedimentos. O computador age de acordo com cada comando, apresentando na
tela um resultado na forma de um gráfico. O aluno olha para a figura que está
sendo construída na tela e para o produto final e faz uma reflexão sobre
essas informações.
O processo de refletir sobre o resultado de um programa de
computador pode acarretar uma das seguintes ações alternativas: ou o aluno não
modifica o programa porque as suas idéias iniciais sobre a resolução daquele
problema correspondem aos resultados apresentados pelo computador e, então, o
problema está resolvido; ou depura o programa quando o resultado é diferente da
sua intenção original. A depuração pode ser em termos de alguma
convenção da linguagem de programação, sobre um conceito envolvido no problema
em questão (o aluno não sabe sobre o ângulo), ou ainda sobre estratégias (o
aluno não sabe como usar técnicas de resoluções de problemas).
A atividade de depuração é facilitada pela existência do
programa do computador. Esse programa é a descrição das idéias do aluno em
termos de uma linguagem simples, precisa e formal. Essas características
disponíveis no processo de programação facilitam a análise do programa de modo
que o aluno possa achar seus erros (bugs).
O processo de achar e corrigir o erro constitui uma oportunidade
única para o aluno aprender sobre um determinado conceito envolvido na solução
do problema ou sobre estratégias de resolução de problemas. O aluno pode também
usar seu programa para relacionar com seu pensamento em um nível metacognitivo.
Ele pode analisar seu programa em termos de efetividade das idéias, estratégias
e estilo de resolução de problema. Nesse caso, o aluno começa a pensar sobre
suas próprias idéias (abstração reflexiva).
Entretanto, o processo de descrever, refletir e depurar não
acontece simplesmente colocando o aluno em frente ao computador. A interação
aluno-computador precisa ser mediada por um profissional que conhece os
potenciais do computador, tanto do ponto de vista computacional, quanto do
pedagógico e do psicológico. Esse é o papel do professor ou agente de
aprendizagem. Além disso, o aluno como um ser social, está inserido em um
ambiente social que é constituído, localmente, pelos seus colegas e,
globalmente, pelos pais, amigos e mesmo a sua comunidade. O aluno pode usar
todos esses elementos sociais como fonte de idéias, de conhecimento ou de
problemas a serem resolvidos por intermédio do uso do computador.
O ciclo descrição-execução-reflexão-depuração-descrição que se
estabelece na programação também acontece quando o aluno usa o computador para
criar um texto usando um processador de texto, quando utiliza o computador para
desenvolver uma multimídia por meio de um software de autoria, ou mesmo uma
planilha ou criar um banco de dados. Ou seja, esse ciclo acontece sempre que o
aluno interage com o computador usando software abertos onde é o aluno que
transmite informação para a máquina e não a máquina para o aluno.
IMPLICAÇÕES DO CONSTRUCIONISMO NA MUDANÇA DA ESCOLA
A abordagem que usa o computador como meio para transmitir a
informação ao aluno mantém a prática pedagógica vigente. Na verdade, o
computador está sendo usado para informatizar os processos de ensino que já
existem. Isso tem facilitado a implantação do computador na escola, pois não
quebra a dinâmica por ela adotada.
Além disso, não exige muito investimento na formação do
professor. Para ser capaz de usar o computador nessa abordagem basta ser
treinado nas técnicas de uso de cada software. No entanto, os resultados em
termos da adequação dessa abordagem no preparo de cidadãos capazes de enfrentar
as mudanças que a sociedade está passando são questionáveis. Tanto o ensino
tradicional quanto sua informatização preparam um profissional obsoleto.
Por outro lado, o uso do computador na criação de ambientes de
aprendizagem que enfatizam a construção do conhecimento apresenta enormes
desafios. Primeiro, implica em entender o computador como uma nova maneira de
representar o conhecimento. Segundo, requer a análise cuidadosa do que
significa ensinar e aprender, bem como demanda rever o papel do professor nesse
contexto. Terceiro, a formação desse professor envolve muito mais do que prover
o professor com conhecimentos sobre computadores. O preparo do professor não
pode ser uma simples oportunidade para passar informações, mas deve propiciar a
vivência de uma experiência. É o contexto da escola, a prática dos professores
e a presença dos seus alunos que determinam o que deve ser abordado nos curso
de formação. Assim o processo de formação deve oferecer condições para o
professor construir conhecimento sobre as técnicas computacionais e entender
por que e como integrar o computador na sua prática pedagógica.
Além disso, a mudança na escola envolve muito mais do que formar
o professor. Mudanças na formação deste profissional não podem ser vistas como
único fator desencadeador de mudança na escola como um todo. Outros aspectos
também devem ser revistos, tais como: a forma como o currículo afeta o
desempenho do professor e a maneira como a gestão escolar interfere na sala de
aula. É necessário que os elementos atuantes na escola - alunos, professores,
administradores e pais - sejam capazes de superar barreiras de ordem pessoal,
administrativa e pedagógica, com o objetivo de ultrapassar uma visão
fragmentada de ensino a fim de alcançar uma concepção interdisciplinar voltada
para o desenvolvimento de projetos específicos de interesse dos alunos e da
comunidade. Além disso, a escola deve criar condições para que o aluno saiba
recontextualizar o aprendizado, integrar a experiência vivenciada na sua
formação com a sua realidade de vida, compreendendo suas potencialidades e
compatibilizando-as com os objetivos profissionais que pretende alcançar.
Portanto, os desafios na implementação do computador na escola,
objetivando uma mudança educacional são enormes. No entanto, se eles não forem
atacados corremos o risco de perpetuarmos uma escola que já é obsoleta. Só que
agora, ela será obsoleta porém, usando a informática.
Disponível em <http://www.nte-jgs.rct-sc.br/valente.htm>. Acesso em 28/06/2012.
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